quarta-feira, 17 de abril de 2013

A MULHER “BOAZINHA” NOS RELACIONAMENTOS DESTRUTIVOS


Autoestima baixa é o ponto principal enfrentado pelas mulheres que tem dificuldade no relacionamento amoroso. Independente de manterem-se casadas ou separarem, vivenciar um relacionamento conturbado sempre implicara num abalo da imagem formatada acerca de si mesma, principalmente quando se cede ao outro o poder acerca de quem se é.
Mesmo insatisfeita com o relacionamento que vivem algumas mulheres se colocam na obrigação de se objetificar para reparar os danos deste, contaminadas pelo viés da cultura e das imposições perpetradas ao feminino ao longo da história que se repercute até hoje. A educação intransigente a qual fomos submetidas nos implantou a ideia de que a mulher para ter um relacionamento feliz, idealizado pelos famosos contos de fadas, precisa ser vulnerável ao companheiro, lhe servir, fazer-lhe as vontades em detrimento das próprias, ignorar as necessidades subjetivas para satisfazer os desejos do homem, ou seja, ser submissa. Assim, a mulher continua se esforçando inconscientemente pra ser o capacho a qual foi adestrada a ser, sem se dar conta que isto não é algo saudável e jamais vai resultar num bom relacionamento amoroso. Isto só promove uma relação de desamor e desprezo. Desamor no sentido de que ninguém no mundo sente amor por quem não se ama, e desprezo é a reação natural de um ser humano diante de quem não se respeita. Quem se coloca como um objeto para o outro se autossabota.
      Numa matéria exibida recentemente pelo programa Fantástico da rede Globo de televisão, se retratava um viés de como seria o mundo sem as mulheres. Neste, as mulheres iam viajar e os afazeres domésticos deveriam ser feitos pelos homens que, devido a isto, sentiriam falta extrema da companheira, deixando assim a entender que o homem sente a falta da mulher para cuidar da casa e não pelo sentimento que tem por ela. Então estas mulheres são meras domésticas destes homens? Então a única forma de amor que tem é pelo serviço que presta ao marido? É saudável e sincero um amor assim? Quem tem sentimentos verdadeiros por outra pessoa sente falta da pessoa por quem ela é, não da louça que ela lavava, da comida que ela fazia, do chão que ela esfregava, do jeito que ela cuidava do filho... Não foram lisonjeiras para com a classe feminina as colocações impressas pelo Fantástico, mesmo sendo colocado de uma forma “bonitinha”.
      Ser doméstica do marido não é ônus apenas daquela mulher coitadinha, sem estudo, que não teve incentivo para progredir na vida. Existem muitas mulheres que teriam tudo para serem “poderosas”, que são donas de si, evoluídas, estudadas, inteligentes e bem sucedidas, que reproduzem a mesma ação de empregada do companheiro sem se dar conta disso. Tem casal que ambos trabalham o dia todo e quando chegam em casa ao final do dia, ainda é a mulher que vai limpar a casa, fazer o jantar, cuidar do filho e assim por diante, enquanto o “donzelo” toma seu banho e vai pro sofá assistir televisão. E o pior é que é visto com tanta normalidade...
Percebo no exemplo de mulheres que vivem como um objeto para o marido e depois não sabem por que foram abandonadas, traídas... (não estou justificando traição, apenas lançando olhar sobre outro ângulo). E aquele bordão “eu fazia de tudo, era uma boa esposa, vivia pra ele, etc. e tal” é o mais ouvido. Ficam inferindo ao parceiro a ideia de monstro e se colocando como vítima, sem perceber o quanto contribuíram para a decadência do relacionamento. Lacan indaga “qual é a tua contribuição para a desordem da qual te queixa?”. Culpar o outro é fácil, mas só consegue dar a volta por cima quem se tira da posição de vítima, olha para si mesmo de uma maneira sincera e se reposiciona no mundo de uma maneira mais assertiva. Lembrando que as pessoas só fazem com a gente o que lhes permitimos fazer. E o principal: antes de uma pessoa trair outra, geralmente esta já se traiu primeiro. Você se colocar como um objeto para uma pessoa é a mais profunda forma de traição consigo mesma.
Existem mulheres que não fazem nada, absolutamente nada por si, que não tem um momento se quer para pensar e cuidar de si mesma e depois não entendem porque deixaram de ser interessantes. Autoestima é uma construção cotidiana e as pessoas mais amadas são as que mais se amam. Quem não gosta e cuida de si mesma dificilmente receberá isso do mundo externo. O amor começa com o amor próprio.
Cuidar da mente e do corpo, aprender algo novo, uma língua, uma dança, um ofício, fazer academia, terapia, cursos, participar de eventos, lazeres enfim, fazer uma atividade prazerosa, inovar, se lançar a novas possibilidades, é de extrema importância para fomentar o amor próprio. Investir em si mesma é a atitude mais sábia a se tomar, já somos o nosso maior patrimônio. Relacionamentos começam e terminam, mas nosso relacionamento conosco mesmo é eterno.
Psicóloga katree Zuanazzi
CRP 08/170170
Publicado no Jornal de Notícias "A Folha de Saltinho" dia 13-04-2013
Pode ser reproduzido citando a fonte e a autora. (Lei 9.610/1998) 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

A NOBREZA DE SER PSICÓLOGO


Vejo a profissão que escolhi como uma das mais belas, nobres, honradas.  Lançar-se a compreender, entender e auxiliar o outro em um processo de ressignificação e cura interior (e exterior, às vezes), deixando de lado nossos próprios sofrimentos é um ato muito bonito, não pode ser feito por quem não é altruísta.
O atendimento em qualquer área da Psicologia demanda muita energia psíquica para nos mantermos focados no sujeito em sua completude, mas principalmente no âmbito clínico a atuação do Psicólogo precisa ser integral, completa, absolutamente centrada no paciente e suas vicissitudes, pois talvez aquele seja o único momento que este disponibilize para si mesmo. Aqui se exige muita excelência.
No período de faculdade, onde estamos nos construindo enquanto profissionais, aprendemos muitas teorias e ao final desta nos posicionamos em optar por uma para pautar nosso trabalho. Todavia, na prática isso não se faz possível ortodoxamente, serve apenas para nortear nossa visão de homem, pois cada paciente é uma teoria nova, nunca será possível encaixá-lo em algo pré-existente. O psicólogo então é um teórico, que deve criar uma teoria nova para cada sujeito singular e único que adentra seu consultório. É o mínimo a se esperar de um Psicólogo comprometido com sua profissão.
Metaforicamente falando, vejo o trabalho do Psicólogo como de um lixeiro: o paciente nos joga “os lixos” dele e cabe a nós o auxiliar em reciclar o que for possível, e se livrar do que não é mais útil e cabível. Ao mesmo tempo em que fazemos isso devemos deixar nossos próprios “lixos” separadinhos, tomando o cuidado para nunca, em hipótese alguma, deixar que se misturem aos do paciente. Isso é ética.
O papel do psicólogo é compreender a subjetividade do sujeito, e isto envolve mais do que simplesmente a sintomática apresentada. Nem sempre o que o paciente deseja é o que ele quer, nem sempre sua queixa é a verdadeira demanda, nem sempre o que ele expressa verbalmente é sua real necessidade. E este é o ponto mais interessante. Anular-nos de nós mesmos para ouvir com sabedoria, ter “os ouvidos domesticados” como disse Lacan, e falar o que o paciente realmente precisa ouvir, não o que ele gostaria de ouvir ou o que gostaríamos de falar. É dever do Psicólogo saber a arte do bem falar, que só se dá pelo bem ouvir. Isto é ser humano com o sofrimento alheio.
O quesito principal exigido para quem é Psicólogo é não ser preconceituoso. Não fazer julgamento é um item presente no código de ética, não estamos lá para mensurar o que é certo ou errado. Não fazer inferência pessoal sobre a realidade do paciente, não fazer juízo de valor, não menosprezar o que para ele é importante, mesmo que tudo em que ele acreditar fira nossos princípios. Estamos lá como um sujeito amoral a disposição de outro que tem suas crenças arraigadas, e só terá progresso a psicoterapia se não nos posicionarmos como sujeito suposto saber. Habituar-se a separar as nossas verdades das verdades do outro é fundamental. Uma não precisa existir em detrimento a outra, podem coexistir. Isto é respeito pelo semelhante, deveria ser seguido por todas as pessoas.
Um bom psicólogo tem que ter um autoconhecimento excessivo, sem isso dificilmente desempenhará um trabalho eficiente. As pessoas só podem dar o que elas possuem, logo, somente uma pessoa muito bem resolvida com suas peripécias da vida será útil na vida do outro. Quem não dá conta dos próprios conteúdos não tem estrutura para lidar com os conteúdos alheios. Isto é fato! Sempre digo que a psicologia não é para os frágeis emocionalmente.
Estar à mercê da necessidade do outro não é algo fácil. Desgasta, consome, tira o sono muitas vezes, causa desconforto, preocupação quando o caso do paciente é muito grave, porém é muito gratificante. Não tem preço quando percebemos o progresso acontecendo na vida da pessoa e que todo o trabalho que desempenhamos foi válido. Quando o paciente se vai, conclui o processo terapêutico, não há como negar que deixa um vazio, mas que é preenchido pelo prazer imenso de perceber que ele não precisa mais de nós para estar bem, e este era o objetivo a ser alcançado. Psicólogos foram feitos para serem abandonados e esta é a glória.
Psicóloga katree Zuanazzi
CRP 08/170170
Publicado no Jornal de Notícias "A Folha de Saltinho" dia 30-03-2013
Pode ser reproduzido citando a fonte e a autora. (Lei 9.610/1998)